Em 2013 o Brasil parou, após uma série de protestos em São Paulo ser duramente reprimido por forças policiais enquanto jovens reclamavam do aumento do valor da tarifa de ônibus na Capital Paulista. Protestos contrários ao aumento do valor do transporte público não são novidade no Brasil e nem eram naquele momento, mas o que se viu naqueles meses foi um grito de uma geração que se via sufocada pelos altos custos de se manter na principal cidade brasileira e a dificuldade de ter que custear mais um aumento no valor do transporte público.
A revolta pelo aumento de 20 centavos no valor das passagens recebeu um forte apoio de pessoas que defendiam outras pautas e de pessoas de outros estados a partir do momento em que cenas da repressão de forças policiais contra estudantes e manifestantes começaram a tomar os noticiários. Com o aumento nas adesões às manifestações na Avenida Paulista passaram a cada dia concentrar um número ainda maior de jovens, que a partir daquele momento passavam a gritar palavras de ordem não apenas contra o aumento na tarifa, mas contra outros temas que vinham incomodando a população, mas cuja indignação estava reprimida em meio ao discurso político nacional.
Naquele momento também se teve pela primeira vez uma noção de uma realidade que até então parecia fugir da atenção das lideranças políticas nacionais. As gerações mais novas estavam prontas e desejosas por participar do debate político nacional. Para além de serem simples membros de agremiações e de grupos de juventude partidária, o que se viu em 2013 foi uma geração de jovens nascidos a partir da segunda metade dos anos 1980 e do início dos anos 1990 querendo ser ouvidos e terem suas pautas atendidas.
Foi o momento que a juventude brasileira passou a demonstrar, então, que tinha condições de coordenar mobilizações políticas, estabelecer discussões sobre temas importantes para a sociedade, que não estavam alheios a realidade política que os cercava e que queriam que suas reinvindicações fossem atendidas. Com o crescimento do apoio popular e a demonstração da indignação com relação ao ordenamento das coisas públicas, o que se viu naquele ano foi uma rápida reação do poder estatal para tentar acalmar os ânimos dando cumprimento a muito do que vinha sendo pedido.
O movimento natural de revolta causado em 2013 por uma coisa simples e corriqueira como o aumento das passagens de ônibus, robustecido por uma geração que passava a questionar o modelo político brasileiro, podemos dizer que culminou no processo de renovação política que o país teve no ano de 2018, quando naquele momento diversas figuras de fora do cenário político se lançaram com o discurso de serem pessoas de fora do sistema que buscavam vir para corrigi-lo.
O momento atual
Tudo isso que falei até o presente momento podemos dizer que foi apenas uma apresentação para criar o cenário através do qual agora pretendo analisar com você, meu amigo leitor, a revolta em torno dos recentes anúncios do governo federal envolvendo a taxação de compras de produtos através de comércios eletrônicos chineses.
Primeiramente, é necessário estabelecer que não será criado nenhum novo imposto a ser pago pela população. Isso é fato. A medida que passará a ser adotada pela equipe econômica comandada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na realidade é fazer de fato cumprir aquilo que sempre esteve estabelecido em lei, a taxação de produtos adquiridos em país estrangeiro e o fim da isenção do imposto em compras cujo valor não se superasse 50 dólares norte-americanos.
Uma das missões estabelecidas pelo presidente Lula para Fernando Haddad e para sua equipe era garantir recursos para o Governo Federal poder implementar suas políticas, fosse através de desoneração da máquina pública, maior arrecadação de impostos ou outros meios possíveis, Fernando Haddad teria que garantir o capital almejado pelo chefe do governo.
Pois bem, Fernando Haddad estabeleceu então a linha mestra pela qual seguiria e que o fazia estimar um crescimento no arcabouço fiscal do governo. O ministro previu uma arrecadação de até R$ 8 bi para este ano apenas com a taxação dos e-commerces chineses, os quais classificou como ‘contrabando’ em diversas de suas falas para a imprensa.
Buscando tratar as lojas virtuais chinesas tal qual um grupo de contrabandistas que atravessam a fronteira brasileira burlando a legislação federal, Haddad endureceu o discurso e garantiu que a partir deste momento todas as compras realizadas neste tipo de site que ultrapassarem o valor mínimo estipulado serão taxadas.
O discurso de Haddad comparando as compras realizadas nesses sites a contrabando e o tom de defesa do comerciante nacional que o ministro da Fazenda estaria mais do que buscando arrecadar mais dinheiro através de impostos, mas atender uma demanda dos varejistas nacionais, que se veem cada dia perdendo mais espaço para estes sites chineses.
Já desde que foi anunciada a decisão de Haddad de colocar um alvo e uma lupa sobre as compras realizadas em sites estrangeiros fez com que se gerasse uma comoção popular. Como o mundo hoje é altamente mais informatizado que em 2013 e as redes sociais têm muito mais espaço e permitem que pessoas sejam melhor ouvidas e compreendidas que no ano dos 20 centavos, o que se vê por enquanto são ruas vazias, mas duras críticas nas redes sociais.
Mas assim como em 2013 uma crítica que poderia ter sido inócua gerou um movimento nacional que reverberou em pleno Congresso Nacional, o que podemos ver neste ano é um estopim que leve o povo às ruas e gere uma nova onda de indignação que pare o país novamente dez anos após o primeiro caso.
Se a história se repete pelo menos duas vezes, uma como tragédia e a outra como farsa, caberá àqueles que estudarem este momento no futuro avaliar como poderemos classificar o que vivemos hoje.
Mas, definitivamente, vemos que hoje a revolta nas redes sociais incomoda o governo, que demonstra ter acreditado inicialmente que a medida conseguiria passar sem gerar tanto incômodo e barulho. Uma demonstração de que o governo vem buscando conter toda a animosidade em torno destas medidas é o pronunciamento da primeira-dama Janja Lula sobre o caso.
Janja buscou apascentar as opiniões indicando que haveria um mal-entendido por parte da população geral com relação a taxação das compras e que não seriam os compradores que passariam pagar mais impostos, mas que este valor seria cobrado das empresas que vendem fora do Brasil. Em meio aos sorrisos enquanto se pronunciava a primeira-dama deu então a entender que os preços se manteriam e nada mudaria na realidade daqueles que querem comprar suas “brusinhas” e outros itens em sites de comércio chinês.
Mas, rapidamente, a tese de Janja foi refutada, pois de forma célere passou a se questionar o fato de que o valor da taxação terminaria por ser repassado aos consumidores, mesmo que de forma indireta através dos preços dos produtos. Portanto, seguiria o consumidor sendo o mais prejudicado e o único no fim do dia a arcar com o desejo de arrecadar mais do governo.
Atualmente, a pauta segue indefinida e com a viagem de Lula e sua comitiva a China não houve nenhum grande pronunciamento sobre o caso, mas seguimos sim hoje diante de um momento pivotal da história de nosso país.
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