
A segunda fase da Operação Retomada, deflagrada na manhã desta sexta-feira (16), investiga um esquema de fraudes em aposentadorias que teria causado um prejuízo superior a R$ 126 milhões. A operação é coordenada pelo Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), com o apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Civil.
Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em cidades da Paraíba — João Pessoa, Cabedelo e Sapé — e no estado de São Paulo.
As investigações miram associações suspeitas de aplicar descontos indevidos em benefícios previdenciários, sem autorização dos aposentados e pensionistas. A organização criminosa ingressava com ações judiciais fraudulentas para legitimar os descontos, com participação de advogados e, segundo o Gaeco, de um servidor do Poder Judiciário da Paraíba.
Como funcionava o esquema?
De acordo com o Gaeco, o esquema operava por meio de:
- Escolha de comarcas específicas para ajuizamento de ações coletivas fraudulentas;
- Obtenção de decisões judiciais rápidas, baseadas em documentos falsificados;
- Aplicação de descontos indevidos diretamente nos benefícios de aposentados e pensionistas;
- Processos sob segredo de Justiça, dificultando a fiscalização de órgãos de controle e impedindo o contraditório.
As vítimas, em grande parte, desconheciam a existência dos processos, descobrindo os descontos apenas ao consultarem seus benefícios.
Outras fraudes cometidas
As associações investigadas, controladas por advogados, funcionavam à margem da lei, operando como instituições financeiras informais, sem regulação do Banco Central.
Segundo as investigações, as entidades ajuizavam ações fraudulentas com aparência de legalidade, mas sem operação real, sede física válida ou vínculo com os supostos associados. Utilizavam endereços repetidos, documentos falsificados e serviam para aplicar golpes contra instituições financeiras, consumidores e idosos.
Os investigados são suspeitos de:
- Promover empréstimos disfarçados de mensalidades, com juros abusivos;
- Aliciar aposentados para assinarem termos de adesão enganosos;
- Obter liminares para apagar registros de inadimplência, mesmo sem quitação das dívidas;
- Suspender descontos de empréstimos anteriores para liberar nova margem consignável;
- Manipular programas de milhagem, reativando créditos vencidos de forma irregular.
Números da investigação:
- Prejuízo estimado: R$ 126 milhões;
- Mais de 230 ações coletivas ajuizadas;
- Aproximadamente 100 mil beneficiários impactados;
- Seis mandados de busca cumpridos nesta fase;
- Onze entidades investigadas, ainda sem nomes divulgados.
Principais alvos da operação:
- Hilton Souto Maior Neto — Apontado como articulador central do esquema. Atuava como intermediário entre advogados e o juiz Glauco Coutinho Marques. É suspeito de usar “laranjas” e manter uma associação de fachada.
- Armando Palhares Silva Júnior — Usado como “laranja” para ajuizar ações em Gurinhém, sem vínculo territorial com a comarca.
- Guilherme Queiroz e Silva — Advogado com papel de liderança técnica. Suspeito de atuar nas fraudes de “limpa margem” e “revitalização de milhas”. Criador de associações de fachada, como a ANDCONSEP.
- Jairo Sayao Meletti — Advogado e “arquiteto jurídico” do esquema. Participava das decisões estratégicas e da divisão de lucros.
- Irley de Souza Carneiro da Cunha — Chefe de Cartório em Caaporã, suspeito de manipular decisões e receber propinas. Intermediava a produção de sentenças e acordos fraudulentos.
- Rackson Santos de Lima Renor — Suspeito de produzir documentos falsos e modelos de sentenças, executando ordens de Guilherme Queiroz e seu filho.
- Juiz Glauco Coutinho Marques — Investigado por conceder decisões liminares em massa e homologar acordos falsos. Segundo as investigações, recebia vantagens financeiras por meio de assessores e terceiros, manipulando processos com documentos forjados.
Associações investigadas:
- Programa Brasileiro de Assistência aos Servidores Públicos (PROBASP)
- Associação Programa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas (PAAP)
- Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas (AB NACIONAL / ABRAP)
- Associação Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (ANAPES / AAPB)
- Interativa Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (IABDC)
- Associação em Defesa dos Direitos dos Consumidores
- Associação ANDC em Defesa do Consumidor (ANDC)
- Grupo Amigos do Consumidor (ABDC / GAC)
- Programa Nacional de Assistência Solidária (PRONAS)
- Associação Comunitária Amor ao Próximo (ACAP)
- Associação Nacional de Defesa dos Consumidores e Servidores Públicos (ANDCONSEP)
Conexão com outras investigações
A CGU afirma que, até o momento, não foi identificada ligação entre a Operação Retomada e a Operação Sem Desconto, da Polícia Federal. Embora uma entidade citada nas investigações federais — a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB) — apareça também entre as suspeitas da Operação Retomada, as fraudes investigadas ocorreram em contextos distintos.
Primeira fase da operação
A primeira fase, deflagrada em 11 de dezembro de 2024, investigou a participação de um juiz e advogados no esquema. Na ocasião, foram cumpridos mandados e apreendidos documentos e dispositivos eletrônicos. O material coletado possibilitou o avanço das investigações e o bloqueio de mais de R$ 10 milhões nas contas das entidades investigadas.