Padre Julio Lancellottui e Padre George Batista se viram recentemente atacados por membros da classe política - Foto: Colagem/Reprodução
Padre Julio Lancellottui e Padre George Batista se viram recentemente atacados por membros da classe política - Foto: Colagem/Reprodução

Padre Júlio Lancellotti e Padre George Batista, o que os dois religiosos tem em comum além de ambos, serem padres e professarem a fé católica? Nada, se poderia dizer, ou muito pouca coisa, para se ser mais exato, mas estás poucas coisas em comum que existem entre esses dois padres me levam a refletir.   

Primeiro deixe-me indicar uma diferença que há entre ambos e que vale ser ressaltada neste texto de modo a enriquecê-lo. Enquanto o Padre Júlio é apontado como seguidor da Teologia da Libertação e agrada movimentos progressistas em São Paulo com sua atividade pastoral voltada a ajudar os mais necessitados.  

O Padre George, por sua vez, seria um bom exemplo de um membro da Renovação Carismática Católica, movimento mais novo dentro da Igreja que a TL. Padre George agrada movimentos conservadores com sua ação pastoral voltada a ajudar os mais necessitados, seja através da comunidade a qual lidera ou mais recentemente através do hospital Padre Zé, em João Pessoa.   

Mas independente das diferenças que possam existir entre os dois sacerdotes, há uma semelhança que os colocou em uma posição parecida nesta semana, a política partidária voltou seus olhos para atacar a ambos.  

Ao passo que o padre Júlio está sendo apontado como o principal alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito aberta na Câmara Municipal de São Paulo, padre George tornou-se razão de notas de repúdio e foi xingado nas redes sociais por questionar a mesma Teologia da Libertação que o seu colega paulistano integra.   

De um lado do prisma, Padre Júlio é visto com olhares desconfiados daqueles que se questionam qual seriam a real razão para o padre escolher trabalhar junto a viciados e moradores de rua na Cracolândia da Capital Paulista. Já no outro espectro desta imagem temos padre George que, na visão de muitos, cometeu o grave erro de criticar um movimento eclesial.   

Mas a realidade é: a matriz das críticas feitas aos dois sacerdotes é acima de tudo política. De um lado há uma direita paulistana que se pergunta o que pode achar de errado no padre que atua na cracolândia e que já posou ao lado de Lula para fotos e o abençoou.  

Ao mesmo tempo, é inegável que apesar do padre George Batista ter sido duro em suas palavras ao afirmar que a Teologia da Libertação seria “um demônio” que se infiltrou na Igreja Católica e tornou-se a pior coisa que lhe aconteceu nos últimos cinquenta anos, ele de modo algum fez críticas que nunca se tenham sido ouvidas contra o movimento, mesmo que com palavras diferentes. Muitos outros católicos, presbíteros ou não, já se mostraram insatisfeitos com o discurso do movimento e acusaram de servir apenas para tornar a Igreja Católica numa base eleitoral da esquerda e politizar o evangelho. Muitos já criticaram como o discurso de muitos adeptos do movimento parece não encaixar com seus modos de vida.   

Crítica que também era feita pelo padre paraibano, pois aqueles que assistiram sem nenhum tipo de enviesamento aquilo que ele dizia em sua pregação que gerou a polêmica, percebe-se que muitas das críticas feitas por padre George nominando a Teologia da Libertação como o problema, tinham, na verdade, como raiz os problemas que o levaram ao comando do Hospital Padre Zé em João Pessoa. Padre George fala abertamente sobre a deturpação do discurso de se olhar de forma aproximada para os pobres como meio de se enriquecer ilicitamente, mesmo que roubando de um hospital.   

É inegável, o padre falava de fato do padre Egídio de Carvalho Neto, este que hoje está preso e é investigado pelo Ministério Público da Paraíba, pois ao longo de dez anos em que teria comandado a unidade de saúde fundada pelo padre José Coutinho teria desviado cerca de R$ 140 milhões. Padre Egídio, assim como o padre Júlio Lancellotti se dizia seguidor dos princípios da Teologia da Libertação e falava sempre sobre a necessidade de ajudar os mais humildes.   

As diferenças fundamentais envolvendo esses três padres está na forma como a sociedade os vê. Padre Julio até o momento em que este artigo foi escrito nunca teve nada apontado contra ele acerca do cometimento de algum crime. Ainda assim, a sociedade de São Paulo olha torto para ele e para suas quentinhas distribuídas aos pobres. No coração do principal polo econômico brasileiro ainda não se aceitou a possibilidade de que o padre simplesmente tenha enxergado na ação junto aos marginalizados seu meio de viver o que ensina a Igreja.   

Padre George, ao mesmo tempo, é achacado por uma fala, mais importante do que sua tentativa de salvar uma das principais obras de caridade da Arquidiocese da Paraíba para estes que o criticam, como o dirigente do Partido dos Trabalhadores da Paraíba que de forma pública o chamou de “babaca” e “irresponsável”, é lembrar que quando esteve em Israel na presença do ex-presidente Jair Bolsonaro ele abençoou o ex-chefe de Estado brasileiro. É fácil para estes acusar o padre de ser fascista por criticar o movimento que se enraizou tão profundamente na Igreja e na sociedade da América Latina.   

Mas é necessário lembrar, que ao longo de seus dez anos à frente do Hospital Padre Zé, padre Egídio nunca foi questionado e nem nunca gerou nenhum tipo de desconfiança dentre estes que hoje apontam seus dedos enrijecidos para o líder da Comunidade Filhos da Misericórdia.   

Estes mesmos dedos apontados se mostraram enrijecidos no passado. Na realidade, hoje temos em São Paulo o padre Julio Lancellotti criticado pela direita e na Paraíba temos a esquerda a xingar o padre George Batista, mas já tivemos outros sacerdotes sendo colocados no meio de celeumas estatais.  

O cearense Padre Cícero Romão é um bom exemplo disso, ao longo de toda a sua vida o sacerdote esteve envolvido nos entreveros que envolviam a vida política de Juazeiro do Norte, foi duramente perseguido e não lhe faltaram dedos apontados para direcionar críticas ao padre que hoje é venerado por milhares de católicos nordestinos e que pode no futuro ser declarado santo pela Igreja.   

Outro nome é o bispo paraibano Dom Vital, preso por ordem do império após se mostrar contrário à maçonaria. Na época o bispo chegou a passar um longo período preso por se mostrar firme no seguimento ao ensinamento da Igreja de que católicos não poderiam ser maçons. Há época a maçonaria era muito importante na sociedade brasileira, tendo sido fundamental na formação do Brasil enquanto nação. Por isso o discurso do bispo desagradou o estado e lhe rendeu a prisão.   

Eu poderia citar outra dezena de exemplos de momentos da história em que nomes ligados à Igreja Católica foram criticados por conta de motivações políticas, antes mesmo que a política fosse disputada entre partidos políticos. Por isso entendo que hoje os dois padres estão de fato muito mais próximos do que se possa enxergar, pois o que os aproxima é o ódio daqueles que se veem incomodados por uma igreja que não é subserviente e conveniente às suas visões políticas. Eles não foram os primeiros e nem serão os últimos, mas precisamos esperar para ver qual será a repercussão dos dedos que lhes foram apontados.