
Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, primeiro papa latino-americano e jesuíta da história se despediu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, após não resistir a um quadro de pneumonia bilateral que encerrou seu período de 12 anos à frente da Igreja Católica.
O falecimento foi anunciado pelo cardeal Kevin Farrell, em vídeo divulgado pelo Vaticano. “Queridos irmãos e irmãs, é com profunda tristeza que devo anunciar a morte de nosso Santo Padre Francisco”, declarou. “Às 7h35 desta manhã (2h35 em Brasília), o bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai.”
Na véspera, domingo (20), o papa ainda fez uma última aparição pública na varanda da Basílica de São Pedro, no Vaticano. Com voz fraca, participou da tradicional bênção de Páscoa, condenando a “crise dramática e indigna” na Faixa de Gaza, o aumento do antissemitismo e reafirmando que não há paz sem liberdade religiosa.
Francisco lidou com problemas respiratórios ao longo da vida. Em 1957, ainda jovem padre, teve parte do pulmão direito removido por conta de uma infecção.
Um pontificado marcado pela simplicidade e mudança gradual
Apesar do tom informal e do olhar pastoral, Francisco não foi um revolucionário no sentido estrito. Ao contrário dos seus antecessores mais conservadores, como Bento 16 e João Paulo 2º, preferiu uma abordagem indireta e progressiva. Abriu portas para debates e reformas dentro da Igreja, sem romper frontalmente com a tradição.
Poucos previam que o até então arcebispo de Buenos Aires se tornaria um papa “fora do script”. No conclave de 2005, ele já despontava como figura de destaque, ficando em segundo lugar na votação que elegeu Joseph Ratzinger. Diz-se que o próprio Bergoglio pediu que seus eleitores apoiassem Ratzinger.
Antes do papado, sua figura era vista como conservadora, até mesmo rígida. Foi contra a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina. Porém, uma vez eleito, surpreendeu com gestos e falas acolhedoras — como a célebre “Quem sou eu para julgar?”, referindo-se a homossexuais católicos.
Origem humilde, espírito jesuíta
Nascido em Buenos Aires em 17 de dezembro de 1936, filho de imigrantes italianos, Jorge Bergoglio teve uma juventude simples: trabalhou como faxineiro, segurança de bar e técnico em química antes de ingressar na Companhia de Jesus, em 1958. Tornou-se padre em 1969.
Nos anos conturbados das ditaduras militares da América do Sul, Bergoglio, então superior dos jesuítas na Argentina, manteve uma posição ambígua: ajudou perseguidos a fugirem, mas também foi acusado de omissão diante do sequestro de dois membros da sua ordem. Anos depois, reconheceria os pecados da Igreja durante o regime e defenderia uma penitência pública.
Mesmo após ser nomeado cardeal por João Paulo 2º, em 2001, manteve o estilo de vida austero: morava em um apartamento simples, cozinhava sua comida e andava de transporte público. Essas escolhas pessoais se tornariam sua marca como pontífice.
Inspirado pelo brasileiro Cláudio Hummes, amigo e cardeal franciscano, adotou o nome Francisco, em homenagem ao santo de Assis — símbolo da humildade e da defesa dos pobres.
Prioridades: exclusão, meio ambiente e escuta
Desde os primeiros meses no cargo, Francisco deixou claro que suas prioridades estariam longe das tradicionais polêmicas morais. Quis redirecionar a atenção da Igreja à “cultura do descarte” — a marginalização dos pobres, migrantes, jovens sem futuro e idosos abandonados. “Essa economia mata”, dizia com frequência.
Firme defensor do diálogo inter-religioso, tinha amigos entre líderes judeus e muçulmanos e pregava uma “cultura do encontro”. Também deu protagonismo a regiões até então periféricas no catolicismo, nomeando cardeais de 79 países, incluindo pela primeira vez representantes de lugares como Haiti, Sudão do Sul, Laos e Irã.
Reforma no Sínodo e papel das mulheres
Uma das marcas institucionais de seu papado foi a revitalização do Sínodo dos Bispos. Tradicionalmente consultivo e burocrático, tornou-se com Francisco um espaço real de debate. Em reuniões marcantes, como os sínodos sobre a família (2014 e 2015) e o da Amazônia (2019), foram discutidas propostas ousadas: comunhão para divorciados, sacerdócio de homens casados em regiões remotas e maior inclusão de elementos culturais indígenas na liturgia.
Em 2023, o Sínodo sobre a Sinodalidade levou o processo adiante. Pela primeira vez, mulheres católicas puderam votar nas decisões finais, marco histórico aprovado por Francisco. Apesar de resistências internas, ele também incentivou estudos sobre o papel das diaconisas na Igreja primitiva — passo inicial, ainda que tímido, para ampliar a presença feminina nas decisões eclesiais.
A publicação da exortação apostólica Amoris Laetitia consolidou algumas dessas aberturas. O documento permitiu, sob análise caso a caso, que divorciados em nova união pudessem voltar a comungar. Sem transformar isso em norma universal, Francisco deu autonomia às dioceses, o que gerou críticas duras dos setores mais conservadores.
Legado desafiador
Em 2015, ao publicar a encíclica Laudato Si’, Francisco deu ao Vaticano uma voz inédita no debate ambiental global. O texto não apenas detalha os impactos da crise climática, mas questiona os próprios fundamentos filosóficos e econômicos da exploração da natureza, criticando a ideia de domínio absoluto do homem sobre a Criação.
A influência do papa sobre as causas ambientais, porém, logo enfrentaria resistência de setores conservadores dentro e fora da Igreja. Com a ascensão da direita radical, sua visão foi tachada por alguns como “esquerdista”, o que intensificou as divisões internas.
Ainda assim, o “papa do fim do mundo” deixa um legado duradouro de empatia, escuta e tentativa de reconexão da Igreja com os dramas do presente. Ao preferir as periferias — geográficas, sociais e espirituais — aos palácios do Vaticano, Francisco transformou o papado sem necessariamente romper com a tradição.