A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (5), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, que anula a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), responsável por definir diretrizes sobre o atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
De autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e outros parlamentares, o projeto foi aprovado por maioria e ainda precisa passar pelo Senado Federal antes de entrar em vigor.
A resolução derrubada previa que, em casos de estupro, a interrupção da gravidez poderia ocorrer sem a necessidade de boletim de ocorrência, decisão judicial ou autorização dos pais — especialmente quando havia suspeita de que o abuso tivesse ocorrido no ambiente familiar.
Autores alegam “extrapolação de competência”
Os parlamentares que defenderam o PDL argumentaram que o Conanda extrapolou suas atribuições ao regulamentar procedimentos que, segundo eles, interferem em competências do Legislativo e da Justiça.
O relator, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), criticou a ausência de limite temporal para o aborto e classificou o texto como “incompatível com o Código Penal”.
“Mesmo em países onde o aborto é amplamente permitido, como França e Reino Unido, há sempre um limite de tempo. Permitir que se faça aborto em gestações de até 40 semanas é algo inaceitável”, afirmou o relator.
Segundo Gastão, a resolução poderia abrir brechas para “aborto em gestações avançadas”, contrariando princípios de proteção à vida.
Chris Tonietto: “Violência não se combate com outra violência”
A deputada Chris Tonietto, autora do projeto, afirmou que o texto do Conanda banaliza o crime de estupro e retira mecanismos de punição ao agressor.
“A violência sexual não se combate com o aborto. Isso é outra forma de violência. É preciso fortalecer a segurança pública e garantir que os criminosos sejam responsabilizados”, declarou.
Tonietto também acusou o governo federal de mudar de posição após o debate no Conanda.
“Na votação do conselho, o governo foi contra a resolução. O que mudou agora? Foi apenas para inglês ver?”, questionou.
Reações em plenário dividem Câmara
O debate foi acalorado. Parlamentares conservadores e progressistas se alternaram em críticas e defesas da medida.
O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o Conanda “não tem o direito de legislar sobre aborto”. Já o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) disse que o texto “viabilizava a cultura da morte”.
“Estamos aqui para frear a indústria do aborto. Essa resolução é absurda. Dispensa autorização dos pais e não exige exame de corpo de delito”, afirmou Otoni.
Por outro lado, parlamentares da oposição denunciaram o que chamaram de retrocesso civilizatório.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou que, em muitos casos, “o estuprador é o próprio pai ou familiar”, e que exigir autorização dos responsáveis pode colocar as vítimas em risco.
“Quem tem filha não deveria estar questionando isso. Ninguém faz apologia ao aborto. Estamos falando de crianças violentadas”, destacou.
Legislação já dispensa boletim de ocorrência
A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) contestou o argumento de que a resolução inovava na legislação. Ela citou leis já existentes que protegem o direito das vítimas ao aborto legal sem necessidade de boletim de ocorrência:
- Lei do Minuto Seguinte (Lei 12.845/2013) — garante atendimento emergencial e direito ao aborto legal em casos de estupro;
- Lei da Escuta Protegida (Lei 13.431/2017) — prevê o acolhimento e proteção integral de crianças e adolescentes vítimas de violência, evitando revitimização.
“Obrigar uma menina de 10 ou 11 anos a continuar uma gravidez fruto de estupro é tortura. É ampliar a violência, não proteger”, afirmou Melchionna.
O deputado José Airton Félix Cirilo (PT-CE) também criticou a politização do tema:
“O Brasil tem uma realidade cruel. Em alguns estados, uma criança é estuprada todos os dias. A resolução do Conanda buscava proteger essas meninas, e não promover o aborto.”
Conservadores defendem exigência de boletim de ocorrência
Entre os defensores do PDL, a deputada Bia Kicis (PL-DF) argumentou que o boletim de ocorrência é fundamental para punir os agressores.
“Dispensar o boletim de ocorrência favorece o estuprador. Sem ele, não há como responsabilizar quem cometeu o crime”, disse Kicis.
Para os críticos, no entanto, essa exigência retarda o acesso das vítimas ao atendimento médico e aumenta o risco de gravidez avançar, tornando o aborto inviável.
ENTENDA O CASO
🟡 O que dizia a Resolução 258/2024 do Conanda?
Determinava que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual poderiam ter acesso ao aborto legal sem necessidade de boletim de ocorrência, decisão judicial ou autorização dos pais, especialmente em casos de suspeita de abuso intrafamiliar.
🟡 Por que foi criticada?
Deputados conservadores alegaram que o texto extrapolava a competência do Conanda, contrariava o Código Penal e não estabelecia limite de semanas para o aborto.
🟡 O que acontece agora?
O Projeto de Decreto Legislativo 3/2025, aprovado na Câmara, anula a resolução. O texto seguirá para análise no Senado. Se aprovado, a resolução perde validade.
O que está em jogo
O tema reacende o embate ideológico sobre aborto legal no Brasil, especialmente quando envolve crianças e adolescentes vítimas de estupro.
De um lado, parlamentares conservadores afirmam que o aborto “fere o direito à vida”. De outro, setores progressistas argumentam que a criminalização e a burocracia punem as vítimas e as obrigam a reviver o trauma.
A votação no Senado deve colocar novamente o tema no centro das discussões sobre direitos humanos, saúde pública e laicidade do Estado.

